História das motorizadas de 2 tempos em Portugal: Famel, Casal, Macal e outras

Introdução

Durante décadas, as motorizadas de 50 cc com motores a dois tempos dominaram as estradas e caminhos de Portugal. Estes ciclomotores simples e económicos eram um meio de transporte acessível para trabalhadores, estudantes e jovens que queriam mobilidade e emoção. Marcas nacionais como Famel, Casal, Macal, EFS e outras criaram modelos icónicos que marcaram gerações e ficaram gravados na memória colectiva. Neste artigo vamos explorar a história destas marcas portuguesas, os seus modelos mais emblemáticos e as razões que levaram ao seu declínio.

O que são motorizadas de 2 tempos?

Antes de mergulharmos na história, convém recordar o que distingue um motor a dois tempos. Ao contrário dos motores a quatro tempos, em que a admissão, compressão, combustão e escape acontecem em quatro ciclos separados, o motor a dois tempos completa o ciclo de potência com apenas duas subidas e descidas do pistão【655130145984527†L70-L76】. Este design utiliza janelas de admissão e escape no cilindro em vez de válvulas, o que reduz o número de peças móveis e torna o motor mais simples e leve【655130145984527†L87-L103】. Graças a esta simplicidade, as motorizadas de 2 tempos oferecem uma excelente relação peso/potência, são fáceis de manter e apresentam acelerações vigorosas que entusiasmaram toda uma geração de motociclistas.

No entanto, esta simplicidade tem um preço: os motores de dois tempos têm consumos mais elevados de combustível e óleo【655130145984527†L117-L121】, emitem mais poluentes e têm uma vida útil mais curta devido ao maior desgaste interno【655130145984527†L123-L134】. Ainda assim, até à década de 1990 estes defeitos eram tolerados porque os motores de 2 tempos proporcionavam desempenho e economia imbatíveis para as necessidades de mobilidade da época.

Famel – A grande marca do Norte

A Fábrica de Motores e Ligeiros (FAMEL), de Águeda, foi uma das marcas mais carismáticas. Fundada em 1949 por João Simões Cunha, Agnelo Simões Amaro e Augusto Valente de Almeida, começou por produzir aros metálicos e posteriormente ciclomotores Famel‑Pachancho. A marca foi registada em 1958 e, em 1966, já fabricava cerca de 18 000 veículos equipados com motores Zündapp【392026997232183†L169-L175】. Em 1984 a Famel adquiriu os direitos de produção destes motores alemães, garantindo autonomia tecnológica【392026997232183†L169-L175】.

O modelo mais célebre da marca foi a Famel XF‑17, lançada nos anos 1970. A ideia partiu do agente José Ribeiro da Costa, que convenceu a fábrica a produzir o modelo depois de garantir a compra das primeiras 200 unidades. O resultado foi um enorme sucesso comercial; a XF‑17 tornou‑se um ícone entre os jovens, sendo recordada por muitos como “a Ferrari das motorizadas”【392026997232183†L206-L214】. Outros modelos populares incluíram a XF‑21, o ciclomotor Utilitária e vários modelos de motocross.

Sempre inovadora, a Famel desenvolveu em 1993 a Famel Electron ou Electric, considerada a primeira scooter elétrica do mundo. Foi construída em parceria com a empresa de engenharia EFACEC e fornecida em pequenas quantidades a clientes como a La Poste【392026997232183†L232-L237】. Infelizmente, esta aposta visionária não foi apoiada pelo governo e não chegou a massificar-se.

A entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1986, a abertura do mercado a marcas estrangeiras e a falta de investimento em novos modelos precipitaram o declínio. Sem capacidade para competir com as motos japonesas e italianas, a Famel declarou falência em 2002【392026997232183†L176-L182】. A marca ficou adormecida até 2014, quando ressurgiu com o projecto Famel E‑XF de mobilidade elétrica, inspirando uma nova geração de entusiastas【392026997232183†L188-L194】.

Casal – O gigante dos ciclomotores

A Metalurgia Casal, conhecida simplesmente como Casal, foi fundada em 1964 por João Casal em colaboração com o engenheiro alemão Robert Zipprich e outros antigos técnicos da Zündapp. A empresa começou por produzir maquinaria agrícola e motores de ciclomotor de dois tempos baseados em designs Zündapp【386811206442106†L163-L170】. Rapidamente lançou modelos completos como a S170 Carina e as populares séries K160, K161, K162, K163 (com caixa de 2 velocidades) e K181 (4 velocidades)【386811206442106†L163-L170】. Ao todo produziu mais de 30 modelos, incluindo motos de 125 cc como a K260, K270 e K276【386811206442106†L172-L177】. Cerca de 10 % da produção era exportada para países como Reino Unido, Holanda, Dinamarca e Suécia【386811206442106†L175-L177】.

Durante os anos 1970 e 1980 a Casal dominou o mercado nacional com modelos robustos e acessíveis como a Casal Boss, a K181 e a ciclomotor de competição RZ 50. Participou em várias competições de motociclismo e conquistou recordes de velocidade. Contudo, a ascensão foi invertida por factores políticos e económicos. Após o 25 de Abril de 1974, o fim das políticas proteccionistas permitiu a entrada de produtos mais modernos e apelativos【977778641535605†L292-L307】. A instabilidade política, o aumento dos custos de matérias-primas e salários e a melhoria do poder de compra após a adesão à CEE levaram muitos consumidores a trocar as motorizadas por automóveis【977778641535605†L300-L307】. Os jovens ficaram seduzidos por motos desportivas como a Honda NSR 50 e modelos de 125 cc【977778641535605†L310-L312】, provocando uma queda acentuada nas vendas.

A Casal tentou resistir com modelos como a Magnum e a Arizona, mas não conseguiu competir. Em Fevereiro de 2000, a empresa entrou em processo de insolvência【386811206442106†L181-L183】. As instalações foram desmanteladas e muitos arquivos e projectos perderam-se【977778641535605†L317-L354】. Mesmo assim, a memória da Casal continua viva entre coleccionadores e clubes que restauram estas máquinas históricas.

Macal, EFS e outras marcas portuguesas

Além de Famel e Casal, Portugal teve outras marcas de motorizadas de 2 tempos dignas de destaque. A Macal, sediada em Anadia, fabricou desde a década de 1950 ciclomotores e motos de pequena cilindrada. Os modelos M50, M70 e M80 eram omnipresentes nas estradas, conhecidos pela sua fiabilidade e linhas desportivas. A EFS, por sua vez, produziu a famosa Formula 1 e diversas motorizadas de 50 cc e 125 cc para estrada e motocross. Outras marcas como SIS (V5), Egitânia e Vilar também tiveram presença significativa em nichos regionais.

Tal como Famel e Casal, estas empresas foram vítimas da liberalização do mercado e da concorrência estrangeira. Muitas encerraram nos anos 1990, mas os seus modelos permanecem como símbolos de uma era em que a indústria portuguesa de duas rodas tinha relevância internacional.

Porque declinaram as motorizadas portuguesas?

O declínio das motorizadas de 2 tempos em Portugal foi resultado da conjugação de vários factores:

  • Abertura do mercado e concorrência estrangeira: após a Revolução de 25 de Abril e a entrada na CEE, as fronteiras abriram-se a motos japonesas e italianas mais modernas【977778641535605†L292-L307】.
  • Aumento do poder de compra: com a melhoria da economia, muitas famílias preferiram comprar automóveis, mais confortáveis e seguros【977778641535605†L300-L307】.
  • Evolução tecnológica: as marcas nacionais mantiveram motores 2 tempos simples, enquanto os concorrentes ofereciam motores 4 tempos mais limpos e fiáveis.
  • Regulamentação ambiental: normas europeias de emissões (Euro 2, Euro 3) tornaram difíceis de homologar os motores de 2 tempos, devido ao seu elevado consumo de combustível e óleo【655130145984527†L117-L121】.
  • Falta de investimento: muitas empresas não tinham capital para desenvolver novos modelos ou exportar, ficando para trás.

Legado e renascimento

Apesar do seu fim comercial, as motorizadas portuguesas de 2 tempos continuam a ser amadas. Existem clubes e fóruns dedicados à Famel, Casal, Macal e EFS onde os entusiastas partilham dicas de restauro, trocam peças e organizam passeios. A Famel regressou com protótipos elétricos inspirados na XF‑17【392026997232183†L188-L194】, enquanto vários projectos independentes recriam motores e componentes para preservar estas máquinas. A nostalgia e o charme destas motorizadas fazem delas peças de colecção procuradas, valorizando o património industrial nacional.

Conclusão

As motorizadas de 2 tempos portuguesas foram parte essencial da mobilidade e cultura juvenil durante a segunda metade do século XX. Famel e Casal lideraram um mercado dinâmico, criando modelos icónicos como a XF‑17 e a Boss que marcaram gerações. O seu sucesso deveu‑se à simplicidade e ao baixo custo dos motores de dois tempos, que embora poluentes proporcionavam uma relação peso/potência imbatível【655130145984527†L87-L103】. Com a abertura do mercado e a evolução tecnológica, estas empresas não conseguiram acompanhar a concorrência e desapareceram【392026997232183†L176-L182】【386811206442106†L181-L183】.

Actualmente, as motorizadas portuguesas sobrevivem nos encontros de clássicos e oficinas de restauro, simbolizando um período de engenho e paixão pelas duas rodas. Preservar a sua memória é homenagear a criatividade da indústria nacional e inspirar futuras gerações.

Motorizada Casal K181 clássica em vermelho e preto estacionada
Motorizada Macal 50cc estacionada em Castelo de Vide, Portugal

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