As motorizadas de 2 tempos fazem parte da história de Portugal. Nos anos 70 e 80, marcas como Famel, Casal, Macal, EFS e Zündapp povoavam as estradas e deram mobilidade a milhares de jovens e famílias. A simplicidade dos motores de combustão a dois tempos, aliada ao baixo peso e à elevada relação potência/cilindrada, tornava estes ciclomotores de 50 cc ágeis, económicos e fáceis de reparar. Actualmente, apesar das regras ambientais e da chegada dos motores a 4 tempos e eléctricos, as clássicas de 2 tempos continuam a despertar paixão entre os entusiastas e coleccionadores.
Como funciona um motor a 2 tempos
Os motores a 2 tempos completam os quatro ciclos de admissão, compressão, explosão e escape em apenas duas subidas/descidas do pistão (uma volta da cambota), ao contrário dos 4 tempos que necessitam de duas voltas. Em vez de válvulas tradicionais, têm janelas de admissão, transferência e escape nas paredes do cilindro. Durante a subida do pistão, a mistura ar‑combustível é comprimida na câmara de combustão enquanto um vácuo no cárter suga nova mistura através da janela de admissão. Quando o pistão atinge o ponto morto superior, a vela provoca a ignição, produzindo trabalho na descida. Durante a descida o pistão abre a janela de escape e a janela de transferência: os gases queimados saem e a nova mistura entra, reiniciando o ciclo. Como o cárter é utilizado para pré‑comprimir a mistura, a lubrificação é feita adicionando óleo à gasolina (tipicamente 2–2,5 %), que se deposita nas superfícies internas durante a combustão. Esta simplicidade permite motores mais leves e com menos peças móveis.
Vantagens das motorizadas de 2 tempos
Os motores a 2 tempos são apreciados pela sua simplicidade mecânica, peso reduzido e elevada relação potência/cilindrada. Como cada rotação da cambota produz potência, conseguem praticamente o dobro de potência de um motor a 4 tempos de igual capacidade. O número reduzido de peças móveis resulta em menos atrito e um som característico que entusiasma muitos aficionados. Estas características tornaram as motorizadas de 2 tempos particularmente populares entre jovens que procuravam veículos leves, económicos e fáceis de modificar. As peças são simples e baratas, e a manutenção básica — afinar carburador, trocar vela de ignição, ajustar corrente — pode ser feita em casa. Para além disso, o baixo peso torna as motorizadas ágeis no trânsito urbano e divertidas em estradas secundárias.
Desvantagens e limitações
A principal desvantagem destes motores é o consumo elevado de combustível e óleo. Como a lubrificação depende da mistura gasolina/óleo, parte do óleo é queimado, o que resulta em emissões de hidrocarbonetos e o característico fumo azulado. O desgaste dos pistões e cilindros também é maior e requer revisões frequentes. Para além disso, a dificuldade em controlar a combustão provoca níveis de emissões que hoje seriam ilegais; por isso muitos países e fabricantes abandonaram este tipo de motor em favor de versões a 4 tempos ou elétricas. As normas europeias de emissões (Euro IV e Euro V) tornaram quase impossível homologar motores a 2 tempos convencionais, restringindo a sua utilização a modelos de competição off‑road ou restaurações históricas. O ruído elevado e o odor a óleo queimado são outros fatores que levaram ao declínio comercial.
Modelos clássicos portugueses e internacionais
A indústria nacional de ciclomotores prosperou entre as décadas de 1950 e 1980. Marcas como Famel, Casal, Macal, EFS e SIS apresentavam quadros e periféricos portugueses equipados com motores importados da Sachs, Zündapp e Kreidler. A Famel XF‑17 tornou‑se um ícone nos anos 1970: equipada com motor Zündapp de 3 ou 5 velocidades, atingia velocidades superiores a 80 km/h e era desejada pela juventude. As Casal Boss e RZ utilizavam motores Sachs robustos, com transmissão de 4 e 5 velocidades; a RZ, com motor de 6 cavalos, era conhecida pela fiabilidade e pela facilidade de afinação. A Macal M‑70/M‑80 e a EFS Formula 1 foram outras motorizadas populares, com design desportivo e prestações surpreendentes para 50 cc. Fora de Portugal destacam‑se as Zündapp KS 50 e KS‑50 Super Sport, com motores de refrigeração a ar ou água e potência de até 7 cavalos, e as Yamaha DT 50, que introduziram autolube e tecnologia japonesa avançada, acelerando a queda das marcas nacionais.
Manutenção e cuidados com as motorizadas de 2 tempos
Uma motorizada de 2 tempos bem afinada pode durar décadas. O segredo está na manutenção regular:
- Mistura correcta: utilize gasolina sem chumbo e óleo de 2 tempos de qualidade na proporção recomendada pelo fabricante (tipicamente 1:40 ou 1:50). Uma mistura pobre em óleo aumenta o desgaste, enquanto excesso gera fumo e carbonização.
- Vela de ignição: verifique regularmente a vela e substitua-a se apresentar depósitos ou electródo gasto. Uma vela com cor castanha clara indica combustão correta; preta ou branca revela mistura incorreta.
- Carburador e filtro de ar: limpe o carburador e ajuste a mistura de ar/combustível para evitar falhas ou consumo excessivo. Um filtro de ar sujo reduz o desempenho.
- Escape e descarbonização: como parte do óleo é queimado, depósitos de carbono acumulam-se no escape e nas janelas do cilindro; limpe-os periodicamente para manter a performance.
- Corrente, travões e pneus: verifique o estado da corrente, esticando‑a e lubrificando‑a regularmente; confira
- as pastilhas de travão e a pressão dos pneus para garantir segurança.
Legislação e condução de ciclomotores 50 cc em Portugal
Em Portugal, os ciclomotores até 50 cc e velocidade máxima limitada a 45 km/h podem ser conduzidos a partir dos 16 anos com a carta de condução da categoria AM. Quem possuir carta de ligeiros (categoria B) está autorizado a conduzir motorizadas de 50 cc sem formalidades adicionais. É obrigatório o uso de capacete e seguro de responsabilidade civil. Muitos modelos clássicos ultrapassam facilmente os 45 km/h; no entanto, circular com motorizadas “deslimitadas” em vias públicas pode resultar em apreensão e multas.
O futuro das motorizadas de 2 tempos
Apesar do declínio comercial, os motores a 2 tempos não desapareceram totalmente. Tecnologias como injecção directa e lubrificação separada reduziram emissões, mantendo-se em alguns scooters e motos de competição. As marcas de enduro e motocross continuam a produzir motores 2 tempos leves e potentes para uso fora de estrada. Em Portugal, a paixão pelos clássicos mantém viva uma comunidade dedicada à restauração e conservação de Famel, Casal, Macal ou Zündapp. Também surgem projectos inovadores, como a Famel E‑XF eléctrica, que homenageia a XF‑17 com motor eléctrico. O legado das motorizadas de 2 tempos permanece não só nas memórias de quem cresceu com elas, mas também nas garagens e passeios de fim de semana dos entusiastas. Restaurar, preservar e conduzir estes ciclomotores é uma forma de celebrar a história da mobilidade nacional.
Conclusão
As motorizadas de 2 tempos representam uma era de simplicidade e liberdade sobre duas rodas. Ao compreender como funcionam, conhecer as suas vantagens e limitações, escolher modelos icónicos e seguir boas práticas de manutenção, é possível desfrutar plenamente destes clássicos. Mesmo com as restrições ambientais e a evolução da indústria, o charme singular do som e do cheiro de um motor de 2 tempos continua a inspirar motards em Portugal e no resto do mundo.
